Pela unificação do sistema de voto, por uma maior participação
A Assembleia da República aprovou a 19 de Setembro, na generalidade, o projecto de lei apresentado pelo PS que pretende unificar o sistema de votação dos portugueses residentes no estrangeiro alargando o voto presencial à eleição de deputados para a Assembleia da República. O deputado António Filipe interviu justificando o voto favorável do PCP a este projecto de lei, defendo que na discussão na especialidade sejam introduzidas alterações de forma a garantir uma maior participação dos eleitores.
INTERVENÇÃO DE ANTÓNIO FILIPE NO PLENÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria dizer, desde já, que o PCP é favorável ao voto presencial dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
Temos, hoje, já na nossa ordem jurídica duas formas de votação dos residentes no estrangeiro: a presencial, para a Presidência da República, e o voto por correspondência, que se mantém para a Assembleia da República — para o Parlamento Europeu, evidentemente, votam presencialmente.
A questão que se coloca é a de saber, havendo dois regimes, se não há vantagem em que haja um regime unificado de votação. Do nosso ponto de vista há. Ora, resta saber qual destes dois sistemas é aquele que tem melhores virtualidades do ponto de vista democrático, do ponto de vista da veracidade da expressão do sentido de voto dos nossos concidadãos.
Há alguns aspectos que do nosso ponto de vista importa salvaguardar nesta matéria, um dos quais é o princípio da participação — não o recusamos. Obviamente, é importante que os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, querendo, possam participar nos actos eleitorais, particularmente naqueles em que faz sentido que participem, que estão consagrados, ou seja, o da Presidência da República e o da Assembleia da República. Agora, vamos ver se o actual voto por correspondência garante efectivamente essa participação nos termos em que ela deve ser feita. Do nosso ponto de vista, esse sistema tem, claramente, insuficiências.
Temos, desde logo, um universo de recenseados que é muito restrito relativamente ao universo de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro. Assim, importaria, desde logo, que houvesse uma actuação de divulgação por parte do Estado português, pedagógica, se assim se lhe quiser chamar, junto dos emigrantes portugueses, acerca da possibilidade que têm de exercer o seu direito de voto para que pudesse — seria desejável — haver um universo superior de recenseados.Mas, para além disso, há depois uma disparidade imensa entre o número de recenseados e aqueles que efectivamente exercem o seu direito de voto, mesmo por correspondência. Ora, temos vindo a verificar que, ao longo dos anos, o número de participantes nos actos eleitorais tem vindo a diminuir: enquanto em 1991 votaram 61 128 emigrantes portugueses, nas eleições de Fevereiro de 2005 votaram apenas 36 721, ou seja, pouco mais de metade — importa salientar que o número tem vindo a decrescer sistematicamente de eleição para eleição. Portanto, há algo aqui que não está bem em termos de participação.
Mas pior: vamos ver as consequências práticas do que tem sido o voto por correspondência. Verificamos que, em 2005, foram devolvidas mais de 30 000 cartas com os votos que foram enviados por via postal, ou seja, um número quase idêntico ao daqueles que exerceram o seu direito de voto. Obviamente, se o voto fosse presencial isto não aconteceria. Cerca de 1000 eleitores exerceram o seu direito de voto, mas os votos não foram contados porque já chegaram fora de tempo, por dificuldades várias, eventualmente dificuldades postais... Não foi garantido o direito de participação destes cidadãos, que participaram mas os seus votos não foram contados. Se o voto fosse presencial, evidentemente, os seus votos seriam contados e válidos.Mais de 3000 votos foram considerados nulos devido à ausência de fotocópia do cartão de eleitor, porque, como se sabe, o sistema é complexo e basta que o cartão de eleitor não venha dentro do segundo envelope para que o voto seja nulo. Foram considerados nulos 3000 votos!
Dezenas de milhares de eleitores têm a inscrição suspensa e não recebem a carta com o boletim de voto pelo facto de durante dois actos eleitorais consecutivos as cartas terem sido devolvidas.
Portanto, verificamos que este sistema é obsoleto e não garante nem a segurança, nem a pessoalidade, nem o direito de participação destes cidadãos.
Portanto, do nosso ponto de vista, há vantagem em adoptar o voto presencial.
Agora há um outro aspecto que deve ser assegurado, ou seja, o da acessibilidade e aí o Governo do Partido Socialista tem de ser criticado. Não é possível dizer-se que o voto deve ser restrito aos postos consulares e depois encerrar os postos consulares! Isto é uma contradição absoluta!
Portanto, além de ser preciso assegurar uma rede consular adequada, é necessário assegurar também outros locais de funcionamento das assembleias de voto, obviamente desde que garantidas as condições de fiscalização adequadas por parte das várias forças políticas concorrentes, mas que permita que, em mais locais, os cidadãos portugueses possam exercer o seu direito de voto.
Assim, este artigo 42.o-A do projecto de lei do Partido Socialista deveria ser alterado. É porque refere-se que «são constituídas assembleias de voto nos postos e secções consulares, nas delegações externas de ministérios e instituições públicas portuguesas e noutros locais se estritamente necessário». Ora, aqui temos um problema quanto à avaliação do que é «estritamente necessário». Do nosso ponto de vista era estritamente necessário que houvesse um número considerável, a mais, de assembleias de voto que garantisse a acessibilidade aos cidadãos que querem exercer o seu direito de voto, mas para isso é estritamente necessário que esta expressão seja eliminada ou alterada, porque estamos mesmo a ver que a interpretação por parte da Administração Pública relativamente à abertura de assembleias de votos seria a de considerar que, eventualmente, não seria estritamente necessário abrir outras para além dos consulados. Nós discordamos profundamente disso.
Nesse sentido, consideramos que importa alterar esta disposição de forma a estabelecer o contrário. Ou seja, é desejável que haja o maior número possível de assembleias de voto no estrangeiro desde que seja possível garantir a sua adequada fiscalização.
É esta a posição que iremos defender na especialidade, sem prejuízo de considerarmos que o voto presencial deve ser considerado na ordem jurídica portuguesa.